Quando eu era adolescente, eu meus amigos nos engalfinhávamos em longas discussões noite adentro regada por cachaça com Fanta, que era nossa droga. E, em algumas ocasiões mais inspiradas, com cachaça com guaco do Bar João na Oswaldo Aranha em Porto Alegre. O tema: quem “tinha” a melhor banda...
Deep Purple era a opinião majoritária, banda formada por virtuoses em seus instrumentos, a única, aliás, que chegou a ser mencionada no Livro do Ano da Barsa, como um grupo de qualidade. Imagine: em toda a década de 60 e 70, um dos mais profícuos períodos para a música popular, apenas esta foi contemplada com um parágrafo. Outros, Black Sabbath e, menos ainda porque “muito pop”, “tinha se vendido”, o Led Zeppelin. A minha, não agradava aos puristas do hard ou do progressivo, duas tendências dominantes, justamente porque ficava no meio, era o Rush.
Bem, de tudo isso, o tempo passou e os gostos mudaram. Vi muitos amigos migrarem para o progressivo, como Pink Floyd e, posteriormente, para o jazz, sinônimo de música para intelectuais. Um dos poucos amigos que tive, era o único que admirava música clássica ou erudita, como alguns preferem chamá-la e Sabbath. Mas, eu continuava no Rush. Em casa ouvíamos todas elas, mas em grupo as posições acirravam-se e parecia que ninguém fazia concessão ao se especializar em criticar o gosto alheio. Meu irmão caçula tinha um “estranho gosto”, pois preferia os teclados às guitarras introduzindo o som de Rick Wakeman e Yes em nosso repertório. Durante anos fui o verdadeiro roadie de sua banda carregando instrumentos para seus ensaios. Estudou música na Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, o que o ajudou sobremaneira na elaboração de suas melodias. Sua banda inicial, a Slow tinha um misto de melodias hard, pujantes, com base elaborada e harmonias rebuscadas. Claro, em épocas de RPMs e Paralamas do Sucesso ficou a margem das rádios.
Vivíamos um período de orfandade no início dos anos 80 em que o que gostávamos era muito arcaico e a New Wave, um punk com embalagem de bom-bom estourava dos dois lados do Atlântico. Qual não foi minha surpresa ao ver o Rush incorporando o seu estilo, com clara influência do The Police em seus arranjos. A muitos soava como uma verdadeira traição, ainda mais para um grupo de amigos em que o teclado devia ser usado com muita, muita moderação. Concomitante a isto, a New Wave of British Heavy Metal estourava e grupos chegavam a nós, como Iron Maiden, Saxon e Motörhead ao que torcíamos os narizes para, pouco a pouco, relaxarem.
Neste contexto, os gostos foram se diversificando e eu que já tinha um pé no folk me aproximei cada vez mais do Jethro Tull. Este serviu como verdadeira ponte a outros estilos, reforçando o gosto por música renascentista e barroca que eu já ouvia em um velho LP que comprara usado dos briks de Porto Alegre, o Musikantiga. De lá também veio uma preciosidade do interior, em Santa Maria , um LP que hoje deveria alcançar um alto valor em leilões, o Quintal de Clorofila.
O que fica disto, uma introdução ao tema genericamente chamado de “rock”, rótulo que indica mais uma perda de sentido original que um caminho, é que não se trata de um estilo coeso, íntegro. Trata-se apenas de uma história de variações que não se prende ao seu significado original e, que os velhos estereótipos de jovens atuando como torcidas organizadas são figuras de identificação do marketing que o envolve, nada mais. A maioria dos que discutem rock, reparem, o faz pelo que envolve a música, mas não ela mesma. O que faz mesmo com que permaneça, dure, é um “movimento conservador”, por mais paradoxal que soe esta expressão. E isto é que não é devidamente explicado. O que perdura é o velho e bom dissenso e não uma ingênua e monocórdica ode ao passado, como compram os críticos incautos.
Ninguém, obviamente, é obrigado a gostar disso ou daquilo. Seria bizarro dar lições de “bom gosto” sobre um agregado de estilos tão díspares que pouco tem em comum. O que deveria se ter, isto sim, é um apuro de se diferenciar o que se fala do que realmente é. A música, quando entoada em um templo sônico qualquer, seja uma casa de show, teatro, ou estádio se torna um lócus de liberação, de despersonalização que não resume, em absoluto, o sentido individual que uma melodia possa provocar.
Se isto parece ridículo como deve parecer rabos de cavalo em quarentões é porque justamente se observa música pelo que ela não é, imagem enquanto que, na verdade, a música permanece a mesma, uma variação de sons que foge do som de fundo e chama atenção por algum significado. Qual é este depende de quem o ouve, o único detentor de critério para decodificá-la.
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